domingo, 22 de fevereiro de 2009

aos amigos

“(...) Nunca teve uma súbita necessidade de simpatia, de auxílio, de amizade? Sim, com certeza. No meu caso, aprendi a contentar-me com a simpatia. Encontra-se mais facilmente e, depois, não exige nenhum compromisso. ‘Creia na minha simpatia’, no discurso anterior, precede imediatamente ‘e agora, ocupemo-nos de outra coisa’. É um sentimento de presidente de Conselho: obtém-se a bom preço, depois das catástrofes. A amizade é menos simples. A sua aquisição é longa e difícil, mas, quando se obtém, já não há meios de nos livrarmos dela, temos de enfrentá-la. Sobretudo, não acredite que os amigos lhe telefonarão todas as noites, como deveriam, para saber se não é precisamente essa a noite em que decidiu suicidar-se ou, mais simplesmente, se não tem necessidade de companhia, se não está com vontade de sair. Oh, não, se telefonarem, pode ficar certo, será na noite em que já não está tão só e em que a vida é bela. Quanto ao suicídio, de preferência eles o levariam a isso, em virtude do que deve a si próprio, segundo eles. Que Deus nos livre, caro senhor, de sermos colocados muito alto por nossos amigos! Quanto àqueles cuja função é amar-nos, quero dizer, a família e os parentes afins (que expressão esta!), isso é outra história. Têm a palavra necessária, sim, é verdade que a têm, mas é mais a palavra-bala;telefonam como quem dispara uma carabina.”

A Queda - Camus, A. p. 27

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