quinta-feira, 28 de junho de 2007

Florbela Espanca

Há algum tempo atrás, li um poema no perfil do Orkut de uma amiga minha e amei aquelas frases que agora não lembro. Achei que ela estava dando vazão ao seu lado poético mas não, ela me apresentou, sem querer, Florbela Espanca.
A dor, a alma, os sentimento tão bem retratados naqueles versos. Eles me acertaram em cheio. Estava diante de uma das minhas grandes descobertas literárias (muito tardia).
Depois de Clarice Lispector foi a vez da poetisa portuguesa a me deixar fascinada pelos seus escritos. Sentimento, subjetividade, amor e dor contidos numa mesma palavra.

Toda esta noite o rouxinol chorou,
Gemeu, rezou, gritou perdidamente!
Alma de rouxinol, alma da gente,
Tu és, talvez, alguém que se finou!

Tu és, talvez, um sonho que passou,
Que se fundiu na Dor, suavemente…
Talvez sejas a alma, a alma doente
D’alguém que quis amar e nunca amou!

Toda a noite choraste… e eu chorei
Talvez porque, ao ouvir-te, adivinhei
Que ninguém é mais triste do que nós!

Contaste tanta coisa à noite calma,
Que eu pensei que tu eras a minh’alma
Que chorasse perdida em tua voz!…

Florbela Espanca - Livro de Mágoas

Ó castos sonhos meus! Ó mágicas visões!
Quimeras cor de sol de fúlgidos lampejos!
Dolentes devaneios! Cetíneas ilusões!
Bocas que foram minhas florescendo beijos!

Vinde beijar-me a fronte ao menos um instante,
Que eu sinta esse calor, esse perfume terno;
Vivo a chorar à porta aonde outrora o Dante
Deixou toda a esperança ao penetrar o inferno!

Vinde sorri-me ainda! Hei-de morrer contente
Cantando uma canção alegre, doidamente,
À luz desse sorriso, ó fugitivos ais!

Vinde beijar-me a boca ungir-me de saudade
Ó sonhos cor de sol da minha mocidade!
Cala-te lá destino!… Ó Nunca, nunca mais!…

Florbela Espanca - Trocando Olhares

Traço de luz… lá vai! Lá vai! Morreu.
Do nosso amor me lembra a suavidade…
Da estrela não ficou nada no céu
Do nosso sonho em ti nem a saudade!

Pra onde iria a ’strela? Flor fugida
Ao ramalhete atado no infinito…
Que ilusão seguiria entontecida
A linda estrela de fulgir bendito?…

Aonde iria, aonde iria a flor?
(Talvez, quem sabe?… ai quem soubesse, amor!)
Se tu o vires minha bendita estrela

Alguma noite… Deves conhecê-lo!
Falo-te tanto nele!… Pois ao vê-lo
Dize-lhe assim: “Por que não pensas nela?”
Florbela Espanca - O Livro D’Ele



O amor, os sentimentos mais íntimos não são mais tratados dessa forma delicada, com esse eu lírico tão tocante. Os traços da pós-modernidade nos mostram um descaso com esses mesmos sentimentos. O amor, hoje em dia, não é mais esse sentimento tão belo que, às vezes, dá até vergonha falar. Hoje nada mais faz sentido. Tudo está perdido num vácuo. Todos os sentimentos foram esquecidos quando nossos poetas morreram. O que nos restou? ódio, desilusão... antônimos do que na verdade queríamos. Ou na verdade só eu penso querer, não sei mais qual é a opinião unânime nesse mundo. Talvez eu seja apenas a única que chora pelos outros, que sofre pelos outros, com a única diferença: não virei poeta!

Seria eu a única sentimental por trás da minha cara de durona que ainda não virou poeta?

Um comentário:

Com Gás - 500ml de Conteúdo disse...

Florbela é muito bom, pena que em Portugal nunca deram a ela o devido valor. Lá é Camões e só.

Queria que dessem mais espaço para a poesia hoje. Existem vários poetas ótimos, até melhores que muitos antigos. Mas o povo ta muito distante dessa (ir)realidade.



bruno